De repente, começou a ventar. Vento forte, daqueles que chegam sem avisar. Assobiando, dobrando as esquinas, levantando poeira, saias, balançando as janelas e as roupas no varal. Como um aviso: recolham as roupas, fechem as janelas, segurem as saias, sacudam a poeira.
Dois operários em um andaime. E tome vento. Na busca desesperada para subir até o topo e se abrigarem, pararam no meio do caminho. No meio do caminho, a pedra era o vento. Havia o vento no meio do caminho. E o medo. Do uivo do vento, da liberdade do andaime, desgovernado, leve, jogado de um lado para o outro, como uma folha de papel. Sem poder se segurar, vendo as vidas que os viam das janelas, os dois operários só pensavam em viver, vendo a morte de perto.
Arremessados contra as paredes do prédio, desequilibrados, quase caindo, machucados, expostos a todos os olhos do mundo, filmados e mostrados nas redes de TV, nunca mais irão esquecer o que passaram. Filme de terror com visibilidade real.
Se ficamos chocados com essas cenas é porque ainda resta uma esperança. Ver um mundo melhor, fraterno, solidário não é miragem. É o que vimos quando o andaime parou. Um braço, mãos amigas de uma jovem que, em um gesto rápido, estendeu toda a sua solidariedade para quem via a morte cada vez mais perto. O andaime parou como que envergonhado, humilhado com sua falta de sensibilidade para com o ser humano.
O gesto da moça calou fundo no coração de quem viu todo aquele horror. O gesto da moça encheu-me de esperanças, emocionou-me, ainda que soubesse que o pior havia passado. O gesto da moça, rápido, jaqueta estendida, foi pura compaixão. Gesto de aproximação entre o imenso fosso social que separa classes sociais nesse Brasil tão injusto socialmente, mas solidário na dor.
(*) Doutor em Engenharia de Produção – pguilhon@hotmail.com
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