Como advogado e como pessoa física inserido no contexto sistêmico em que estou condicionado a viver, onde a democracia não devia ser praticada somente no “quintal do vizinho”, não posso sequer imaginar que algumas mentes obtusas não admitem para determinadas pessoas, o exercício regular do CONTRADITÓRIO e da AMPLA DEFESA. O contraditório e a ampla defesa em nosso ordenamento jurídico, trata-se de uma cláusula pétrea disposta no art. 5º, LV da CRFB/88, que assim dispõe:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...).”
Para se falar em direito ao contraditório e à ampla defesa em qualquer tipo de processo (administrativo, civil, trabalhista, penal, etc.), é preciso antes tratar isoladamente de cada um destes princípios, tendo em vista a importância que eles têm em todas as fases de tramitação do processo, seja no âmbito administrativo, judicial ou extrajudicial. Portanto, essa cláusula pétrea assegura a qualquer pessoa, seja física ou jurídica, o direito de ter conhecimento e acompanhar todos os atos de apuração, julgamento, aplicação e cumprimento ou execução da decisão, que tenha transitado em julgado ou que não caiba mais nenhum recurso, de acordo com os procedimentos adequados para cada situação, com as prerrogativas ao litigante de: a) ser ouvido; b) produzir provas; c) obter cópias de documentos necessários à defesa; d) ter oportunidade, no momento adequado, de contrapor-se às acusações que lhe são imputadas; e) utilizar-se dos recursos cabíveis, segundo a legislação; f) adotar outras medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos; e, g) ser informado de decisão que fundamente, de forma objetiva e direta, o eventual não-acolhimento de alegações formuladas ou de provas apresentadas.
Os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade figuram entre os mais importantes princípios constitucionais basilares do direito brasileiro ou de qualquer país que se diz democrático, já que são deles que emanam os princípios do direito ao contraditório e à ampla defesa. A dignidade do acusado, a garantia de liberdade de defesa e a igualdade de condições entre as partes litigantes devem constituir os pilares do processo penal. Não há o que se falar em dignidade, em liberdade e em igualdade se o réu ou acusado não tiver o direito ao contraditório e à ampla defesa. No art. 1º, inciso III, da Carta Magna está escrito que, dentre outros, será a dignidade da pessoa humana um dos princípios norteadores do Brasil como Estado Democrático de Direito. No art. 5º, caput, estão elencados os princípios da liberdade e da igualdade como setas norteadoras dos direitos fundamentais do homem. Como se vê, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, [...]” e se assim está escrito, então será assim que o Estado deverá tratar seus cidadãos e cidadãs: com igualdade e com a máxima liberdade possível, ainda que este cidadão ou cidadã tenha violado, criminalmente, um desses princípios.
Apenas para argumentar em defesa dessa cláusula pétrea da nossa Constituição Federal, vamos imaginar uma situação prática em que os princípios do contraditório e da ampla defesa não foram observados. Fato imaginário popular: por volta das 10h00min, no dia 29/05/2013, “A”, brasileiro, solteiro, nascido em 18 de abril de 1990, estudante universitário, filho de mãe solteira, sem paternidade conhecida ou reconhecida, caminhava na Rua Adhemar da Silva, bairro Kobrasol, Município de São José-SC, já nas proximidades da Agência da Caixa Econômica Federal, com a pretensão de chegar ao Cartório Campinas, que fica nas imediações, onde pretendia fazer a autenticação de cópias de alguns documentos pertencentes ao escritório de contabilidade onde trabalha como estagiário, cujos documentos estavam no interior de uma pasta de cor preta, que carregava consigo. “A” escuta alguns disparos de arma de fogo que vêm da direção da agência do Banco Santander, localizada uns cinquenta metros de distância da agência CEF. As pessoas começam a correr e se refugiaram no interior do edifício da CEF. “A” é atropelado por um pedestre que sequer chegou a ver, que também caiu no chão, e, depois foge do local correndo, levando consigo uma pasta preta que estava sobre o passeio público. “A” meio atordoado, procurou e achou a pasta de cor preta, onde supostamente deveriam estar os documentos que trouxera do escritório onde trabalhava. “A” de imediato percebeu que era outra pasta, também da cor preta, parecida com aquela que estava carregando, porém a mesma estava aberta, contendo em seu interior grande quantidade de dinheiro, em notas de R$ 100,00, além de um revólver marca Taurus, carregado com munição calibre 38, com três cápsulas deflagradas. Policiais militares que desembarcaram de uma viatura se aproximaram de “A” e o prenderam em flagrante, pelo assalto praticando contra a agência do Banco Santander e por porte ilegal de arma de fogo. Levado para a Delegacia de Polícia mais próxima, “A” foi recolhido a uma cela, depois foi obrigado a assinar um Termo de Interrogatório” e uma “Nota de Culpa”, sem ter a oportunidade de ler o que estava assinando, haja vista que não foi dada a oportunidade de solicitar a presença de um advogado ou de telefonar a um parente ou para o pessoal do escritório de contabilidade onde trabalhava como estagiário. O Auto de Prisão em Flagrante foi encaminhado no mesmo dia, para o juízo criminal competente, que o “homologou”, mantendo o réu preso e, ato contínuo, encaminhou o feito ao digno representante do Ministério Público para se posicionar, na condição de “dono da ação penal”.
Registre-se que cópia do Auto de Prisão em Flagrante foi encaminhada ao Presidente da Subseção da OAB para as providências no âmbito de sua competência institucional. Como “A” foi preso em uma quarta-feira, véspera de um feriado nacional, com ponto facultativo decretado para sexta-feira, sem parentes morando na localidade e sem a assistência jurídica imediata de um advogado quando foi autuado em flagrante, pela prática dos crimes de roubo (assalto ao Banco Santander) e de porte ilegal de arma de fogo, acabou recolhido ao presídio local, embora não tivesse antecedentes criminais.
Na segunda-feira seguinte, o dono do escritório de contabilidade foi avisado pelo pessoal do escritório, de que “A” o estava chantageando, querendo dez mil reais para devolver os documentos que comprometiam um cliente do escritório perante a Receita Federal. Sem saber do ocorrido com o referido estagiário, o dono do escritório de contabilidade compareceu na Delegacia de Polícia e fez uma Ocorrência Policial contra “A”, pela chantagem e apropriação indébita de documentos de um cliente do escritório. Quando o dono do escritório de contabilidade comunicou o fato ao cliente do escritório, este de imediato solicitou que seu advogado tomasse as providências cabíveis. O referido advogado ao comparecer na Delegacia de Polícia veio a saber por intermédio de um policial civil de que “A” estava preso há mais de uma semana pelos crimes de roubo e porte ilegal de arma e recolhido ao presídio local. O referido advogado se inteirou do teor do auto de prisão em flagrante e manteve contato pessoal com “A” que estava preso há vários dias. O referido advogado ao perceber que “A” estava preso ilegalmente, já que não foram observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, de imediato ajuizou um “habeas corpus” que foi acatado pelo Desembargador Relator que atua junto ao Tribunal de Justiça do Estado, que determinou a imediata liberação do “paciente”, diante das arbitrariedades cometidas pelos poderes constituídos do estado, dito democrático de direito. No referido feito, quando se passou a observar os princípios do contraditório e da ampla defesa, com as diligências determinadas pelo Promotor de Justiça resultaram na prisão do verdadeiro autor do assalto ao referido banco, que tinha em seu poder a pasta com os documentos pertencentes ao escritório de contabilidade onde trabalhava “A”. Descobriu-se depois que o gerente do banco assaltado era cúmplice do ladrão, como forma de acobertar um desfalque em quantia bem superior a que fora roubada.
Registre-se ainda que, se todas as pessoas denunciadas pelas práticas de quaisquer atos típicos, capitulados como crimes, pelos dignos representantes do Ministério Público, sem que os denunciados tivessem o direito ao contraditório e à ampla defesa, fatalmente o número de inocentes apodrecendo nos presídios, verdadeiras escolas do crime, seria bastante significativo.
Como pessoas com direitos e obrigações, não devemos aceitar que o estado aja de forma arbitrária, já que o livre arbítrio deve ser considerado como algo inegociável. A incompetência e a omissão dos poderes constituídos não podem servir de argumento para justificar os atos considerados de desrespeito ao contraditório e à ampla defesa.
Na Bolívia temos um exemplo clássico, onde brasileiros se encontram presos, abandonados pelo governo brasileiro, pela suposta prática de crime de homicídio, na modalidade culposa, onde não estão sendo observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Jonas Manoel Machado – Advogado – E-mail: drjonas5256@gmail.com
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